Wednesday, August 31, 2005

Campanha: "NÃO JOGUE SEUS VINIS FORA, VEJA QUANTO ELES PODEM VALER! MAS NÃO OS VENDA!"

Vou transcrever aqui por completo duas reportagens do JC, prumode sei que poucos leitores são seus assinantes e possuem senha. Superinteressante para os amantes do Vinil!

O caçador do vinil perdido
Publicado em 28.08.2005

Dono do Record collector dreams possui cerca de 8,5 mil discos de vinil raros em casa. Alguns podem custar até a “bagatela” de R$ 30 mil

JOTABÊ MEDEIROS - Agência Estado

Em Viena, Áustria, vive um ex-hippie de 56 anos que é considerado um Indiana Jones da música. Amparado por uma rede mundial de informantes, ele faz um trabalho incansável e heróico de arqueologia em busca de artefatos perdidos em territórios ermos do planeta. O nome dele é Hans Pokora, vulgo Caçador de Bolachas Perdidas.

Pokora é editor de um catálogo famoso entre os caçadores de raridades discográficas, o Record collector dreams, e possui cerca de 8,5 mil discos de vinil raros em sua casa. Álbuns dos quais, muitas vezes, nem os próprios autores têm cópias hoje em dia e cujo valor pode chegar a 10 mil euros (cerca de R$ 30 mil).

Como Indiana Jones, Pokora também cai em ciladas às vezes – já chegou a comprar um disco cobiçado, Forever amber, da Inglaterra, por US$ 6 mil, e depois descobriu que o álbum era uma porcaria. Mas também já “escavou” maravilhas, como o LP de garage rock Johnny Kendall & The Heralds, da Holanda, lançado em 1965. “Passei um feriado de dois dias ouvindo o disco, acho que rodei umas 50 vezes esse maravilhoso LP”, conta.

Hans Pokora não tem toca-CDs em casa, nem aparelhos de MP3. “Tenho só um velho gravador de fita e um toca-discos. Não tenho CD player nem MP3, não é o meu mundo.” Seu negócio é vinil. “O melhor investimento é o vinil em perfeitas condições, porque seu valor aumenta a cada ano. Os CDs não têm um valor real. Os velhos vinis são antiguidades e têm admiradores em todas as épocas.”

“Cerca de 20 anos atrás, viajei dois anos pelo mundo todo comprando discos. Estive na Ásia, Estados Unidos, Canadá, África, Austrália. Encontrei colecionadores em todos os países. Comecei minha coleção em 1975, quando eu comprava LPs de beat e garage.” Para Pokora, seu trabalho é uma boa maneira de ganhar dinheiro. “Discos de vinil raros são um grande investimento. Nos meus livros, muitos dos álbuns chegam a valer entre 5 mil e 10 mil”, afirma Pokora. Os seus catálogos estipulam um preço mínimo para que um disco raro ou “muito bom” entre na lista: 75.

Os maiores colecionadores e experts em raridades do País aprovam o trabalho de Pokora. “Tem capas maravilhosas nos livros. O gosto dele é meio bicho-grilo, meio ripongo, mas pelo menos ele promove uma valorização da música brasileira”, diz Luiz Carlos Calanca, do mítico selo e da loja Baratos Afins. “Conheço pessoas que compraram os discos depois de terem visto nos catálogos dele”, afirma.

O paranaense Anderson Carvalho Carrion, que possui cerca de 3 mil discos raros, diz que Pokora faz um trabalho essencial para o colecionador. “Todo colecionador quer ter algo que seja difícil para outro colecionador, essa é a essência das coleções” diz, acrescentando que não há especulação nessa atividade. “Ninguém compra para revender, compra para ter.”

Segundo Carrion, o vinil tornou-se o objeto de desejo por diversas razões: a arte das capas, o tamanho, o trabalho de informação dos encartes. “Se eu tiver a opção de escolher entre o CD e o vinil, sempre pego o vinil”, diz, lembrando o caso novíssimo da banda curitibana Feichecleres um trio de rock setentista que lançou seu trabalho em vinil e as cópias esgotaram-se na hora.

“Agora estou à procura de outro disco brasileiro raro para incluir no catálogo 5001, que estou finalizando”, diz Hans Pokora, que trabalha longe das gravadoras e companhias de discos e também sem apoio oficial. Entre seus discos brasileiros preferidos estão os de Sound Factory, Spectrum, Marconi Notaro, Lailson e Lula Côrtes (Satwa), Tobruk e Som Imaginário.

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Parceria entre Lula Côrtes e Zé Ramalho é raridade cara

Quem pensa que um gringo lá da terra de Mozart não sabe reconhecer um disco brasileiro raro, engana-se. O Brasil é um dos países sempre bem representado nos catálogos de Hans Pokora. A edição mais recente, 4001, do ano passado, traz 27 novos álbuns raros de sebos brasileiros.
Na nova edição, dois álbuns estão empatados com a cotação cinco bolinhas (acima de 1 mil). São Jovem brasa, dos grupos The Beggers e The Blackstones (1967), e Não fale com paredes, do Módulo 1000 (1970).

Você nunca ouviu falar? Não tem problema, a maior parte dos amantes da música provavelmente também não. Segundo o site CliqueMusic, o Módulo 1000 foi um grupo de hard rock carioca, formado em 1969, de duração meteórica. Seguia uma linha pesada com influências de Black Sabbath e Pink Floyd. The Beggers e The Blackstones foram pioneiros numa experiência discográfica única, nos anos 60. Lançaram seu trabalho conjunto num formato revolucionário, uma caixa contendo três LPs, que alguns consideram ser a primeira box set da história do vinil.

Nos catálogos, só dois discos brasileiros ganharam seis bolinhas – são o crème de la crème da raridade. Um é o elepê Lula Cortes e Zé Ramalho, Paêbirú, de 1975, que jamais teve uma reedição (o próprio Zé Ramalho proíbe, segundo contam, porque Cortes teve o rosto estampado na capa e ele só no encarte). O outro é o álbum Sound Factory, de 1970. Se você tiver um desses em casa, está feito. Hans Pokora dá a pista de como ele chega a essas obscuridades: os “informantes”. Em São Paulo, seu apoio vem de Luiz Antonio Torgue, do site Rato Laser.

Saturday, August 20, 2005

Ideologia - Cazuza



"E a fã sem nome explico: 'as flores não se tocam,
Vivem prá si
E pros passarinhos e pro vento'
"

O disco é de 1988. E não vou tecer maiores delongas sobre Ideologia. É o melhor disco de Cazuza; e digo isto sem haver ouvido todos os outros, e sem ser especialista neste artista. É um disco redondo, todas as músicas são excelentes (talvez com a única exceção de Guerra Civil, que é apenas ótima, e é, por uma "coincidência" intrigante, uma parceria com Ritchie). E também me arriscaria a afirmar que, talvez, seja um dos melhores discos, senão de toda história da música brasileira, mas com toda certeza da década de 80.

"De manhã cedinho o sangue escorre:
foi por amor.
"

Cazuza enquanto poeta (da música, pois sabemos que ele também possui muitos escritos não musicados, que infelizmente não conheço) está em sua melhor forma nesta obra. E, enquanto ícone de uma geração, é seu auge: o lp contem "apenas" três dos seus maiores sucessos e também das canções mais marcantes daqueles tempos: Brasil, da qual nem precisa falar muito, estou certa ("Não me convidaram/prá esta festa pobre..."); Faz parte do meu show e Ideologia (que considero mais contemporânea que nunca nestes dias de desilusões petistas, hehehehe).

"Estranho teu cristo Rio
que olha tão longe, além,
com os braços sempre abertos
mas sem proteger ninguém
"

Lado A

Ideologia - Não há muito que se dizer sobre essa música. Eu, sinceramente, considero o hino de uma geração: aquela da transição entre os loucos anos 60/70 para esta realidade esquisita do mundo atual em que todas as alternativas políticas ou existenciais sumiram. Restou apenas a possibilidade de se ser capitalista, tecnológico, urbano, internético, ou enlouquecer. Aí o Cazuza vem e grita (ele que não era muito de ideologias, heheheh, porque não precisava, nasceu com uma, a ideologia anárquica-extrema da liberdade): "IDEOLOGIA, EU QUERO UMA PRÁ VIVER!". A canção é rasgada, o instrumental é cortante, Cazuza traz o tom perfeito (raivoso e... sensual!) para esta música de protesto feita em um tempo em que música de protesto já saira de moda...

"Os meus sonhos
foram todos vendidos
tão barato que eu nem acredito"


Boas Novas - Boas Novas é também uma canção testemunhal, mas o depoimento é mais pessoal. Foi a declaração "oficial", em contexto de poesia e música, da certeza que Cazuza tinha de sua morte, pelo que contatara com ela em seu longo sofrimento de aidético. "Eu vi a cara da morte e ela estava viva". Apesar disso a canção é dançante; é quase tudo Rock´n Roll, aliás, neste disco, com poucas exceções. Mas com tanta poesia transbordando, fica difícil mesmo dançar.

"E farei
das tripas coração
do medo minha oração
prá não sei que Deus 'h'
da hora da partida,
na hora da partida
a tiros de 'vamos prá vida'.
Então vamos prá vida!"


O Assassinato da Flor e A Orelha de Eurídice - Falarei conjuntamente destas duas canções, porque são irmãs, em minha opinião, o que explica o “estarem” muito bem ali juntas, nas raias do vinil. Ambas da autoria exclusiva de Cazuza; além dela, neste disco, apenas Boas Novas. Não me arrisco a declará-las as melhores faixas porque seria responsabilidade demais em uma obra deste porte, mas que chegam perto de ser, chegam. São, possivelmente, as minhas prediletas, que mais me tocam o coração, embora seja enlouquecida por Blues da Piedade e Minha flor, meu bebê. São músicas muito pessoais, em que a veia poética de Cazuza mais despreocupadamente emerge, naquela característica própria dos verdadeiramente poetas, como descreve Drummond em, A Procura da Poesia: "Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres: Trouxeste a chave?
". Não há que interpretá-las, descrevê-las, decifrá-las, destripá-las, mas apenas sorvê-las. E aqui ainda não se perde a linha Rock´n Roll que mesmo tendo namorado a bossa nova e a MPB jamais Cazuza abandonou. É diferencial o arranjo de A Orelha de Eurídice pela presença de um alucinado violino que atravessa a canção em ritmo inatingível.

"Flores são flores
vivas num jardim
pessoas são boas
já nascem assim
"

Guerra Civil - Eu posso safar-me deste comentário? Não é uma música ruim, porém se perde na imensidão de qualidade desta obra...

Brasil - Nossa, esta música fez sucesso demais (ainda faz). Lembram em Vale-tudo - a novela global, com Regina Duarte, considerada um marco da televisão brasileira dos anos 80 -, como ela casava perfeitamente à trama e ao clima da novela? Quando começava a tocar na abertura eu corria para a sala. E esta letra é descaradamente, brasilisticamente realista, e como é atual. Vejam a frase: "quero ver quem paga prá gente ficar assim". É também uma declaração de amor ao país, vocês não acham? E há samba, bateria, o arranjo é show. Demais.

Lado B

Um Trem para as Estrelas - Uma parceira com Gilberto Gil que foi tema do filme homônimo. Uma canção sobre o Rio, sobre a gente pobre do país, sobre nosso país, resumidamente. E bela, muito bela. Não é Rock-n Roll, mas ainda é o melhor de Cazuza.
"É que agora está chovendo uma chuva sem vento
e a meia hora ventava,
vamos fugir prá dentro
"

Vida Fácil - Vida Fácil é deliciosa, sarcástica, e provavelmente há uma historinha por trás dela, que desconheço. Cazuza era filho de um produtor da música, conhecia todas as tribos cariocas, e esteve dentro do viciado ambiente das artes de nossa aldeia. É disso que a música fala, sobre este meio. Cazuza dá suas garfadas nas convenções, mesmo as mais ocultas...

"Big boss
tua mão aberta enobrece
dignifica
nós que sonhamos em espécie
"

Blues da Piedade - Considero este blues uma canção feito para a posteridade, que pode constar em qualquer bom almanaque da música brasileira. Se me perguntassem quais seriam as 100 melhores músicas de todos os tempos, Blues da Piedade estaria dentro, com absoluta certeza. Intrigante como é suave e preciso o canto de Cazuza aqui, mescla-se com maestria a guitarra, piano e bateria do arranjo. E é um blues autêntico, além de ser puro Frejat (seu parceiro nesta canção, outro que idolatro, salve salve).

"Pra quem vê a luz
Mas não ilumina suas minicertezas
Vive contando dinheiro
E não muda quando é lua cheia
"

Obrigado - Uma poderosa canção de amor desfeito, com um momento Rock-n Roll maravilhoso. Não sei como não fez sucesso. Talvez por ser excessivamente mordaz.

"Pelos dias de cão, muito obrigado
pela frase feita
por esculhambar meu coração antiquado e careta
"

Minha Flor, Meu Bebê - Canção fantástica, açucarada, deliciante e deliciosa, swingada. Também não consegui descobrir como não virou hit. Adoro-a desde sempre, sempre, amém.

"Que prazer mais egoísta o de cuidar de um outro ser
mesmo se dando mais do que se tem prá receber
"

Faz Parte do Meu Show - Essa balada bossa-nova tocou tanto que enjoou, diferentemente dos outros dois hit parades deste disco (é o mal das baladas). Mas continuou linda, ainda que enjoativa.